NÃO SEI O QUE ESCREVER

Juliano Poeta
3 min readJul 30, 2020

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Não sei sobre o que escrever. Simplesmente não sei. Não acontece nada. Eu pego no celular e quando olho passaram 30 minutos. Não sei, não tenho nada para falar. Tudo igual, normal. Mais um dia. Que dia é hoje? Ah, sexta. 19 de junho. 18h14. O Sol estava se pondo na janela, mas agora já foi, é noite. Tudo escuro, olho pela janela e vejo só a luz que vem de dentro de outras janelas. Pessoas fazendo suas coisas. Eu sou mais um. Mais uma luz dentro de uma janela, olhando para uma tela brilhante e apertando em teclas plásticas, tentando enxergar sentido em alguma coisa… Só que nada faz sentido. Não existe motivo para estar vivo, eu simplesmente estou. Não existe um futuro pré-definido, assim como decido o que faço agora, mesmo que eu não tenha nenhum motivo para decidir fazer o que faço. Escrever… não tenho nada para escrever. Vou contar o que de interessante? Que hoje fui na praia e brinquei nas dunas com a Gaia, minha cachorrinha. Minha não, ela não é minha, mas não sei como dizer de outro jeito. De certa forma a considero minha, porque a peguei e a deixo trancada aqui dentro do terreno onde moro. Se eu abrisse, ela voltaria? Saberia voltar, ia querer voltar? Ela também aceita, não tenta fugir desesperadamente. É mansa, mas me morde de vez em quando — para brincar, eu acho. Ela gosta mesmo é das dunas, de cavar enlouquecidamente e depois enfiar o focinho e a cara inteira no buraco que cavou. Fica parecendo um croquete, com a cara cheia de areia. Eu falo isso desde criança, mas sério, não sei o que é um croquete. Coloquei no google. É tipo um risoles, saquei. Eu nunca gostei dessas coisas, dessa aparência de areia frita e cheiro de carne queimada. O gosto então, de fritura de ontem que cai como uma bomba atômica no estômago. Não gosto nem nunca gostei, mas falo croquete, embora nem soubesse o que era. E agora que sei, vou continuar falando? Eu falava antes negrice, depois aprendi que é um termo racista e hoje não falo mais. Esses dias aprendi que boçal também é de origem racista, como eu ia saber? Nunca me ensinaram isso na escola. Na aula de história disseram que o Brasil foi descoberto em 1500 e que os portugueses colonizaram os índios, catequizaram o povo que vivia aqui. Eu ia para a catequese e achava um saco. Minha única diversão era implicar com as meninas. Tinha uma menina gorda que eu implicava muito, ela chorou várias vezes por causa das coisas que eu falei para ela, ou por causa dos desenhos que eu fazia dela na parede ou nas mesas. Cresci vendo minhas referências mais velhas falarem coisas como “gordice”, ou “que coisa de gente gorda”. Meu apelido quando neném era gordo, mas eu sou magro. Peso 60kg e tenho 1,80cm. Sempre que encontro alguém da família que não vejo há meses a primeira coisa que dizem é “como tu tá magro!”. Sério, que saco. A vontade que tenho é de ir embora na hora que me dizem isso. Por que o meu corpo tem que ser o assunto? Vão falar mal dos Bolsonaro, que merda. Vão se olhar no espelho e ver o que querem mudar nos seus corpos, e não ficar projetando em mim. Meu corpo é lindo e maravilhoso, consigo correr quilômetros nas dunas com um sorriso no rosto. Mas sério, eu não tenho nada para escrever. Só queria dizer que peço perdão a todas pessoas que ofendi nessa vida. Especialmente à minha colega gorda da catequese. Ninguém deve ficar falando do seu corpo. Se você ler esse texto ou se a gente se encontrar um dia (duvido que nos reconheçamos, mas beleza) eu vou querer saber das suas ideias, dos seus sonhos, dos seus valores. Foda-se o seu corpo. Se você quiser podemos falar sobre isso, mas só se você quiser. Eu quero mesmo é saber o que você quer da vida, qual é a coisa que não te deixa dormir, que você acorda já pensando nisso, mesmo que se esqueça ao longo do dia. Mas sério, não sei por que você leu até aqui. Eu não tenho nada para te contar hoje, não sei por que te mandei esse texto. Acho que eu só, sei lá, tava a fim de escrever. Tipo, que nem eu fui caminhar na praia, eu gosto de escrever. Gosto tanto quanto beijar, eu acho. É, acho que sim. E você, gosta de que? Não sei mais o que dizer… Tchau.

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