THE BOOK — #EPISÓDIO 7 — A FINAL
É hoje.
Vivencio a inédita sensação de saber que perdi a competição, mas que vou ver acontecer uma das cenas mais bonitas da minha vida.
Chegou o dia da final do The Book, e eu já sei o resultado. Ontem, no final da manhã, recebi uma ligação do Anderson Cavalcante, que conduz o reality. “Tenho uma notícia boa e uma ruim”, ele me disse. “A ruim é que você não ganhou o The Book, e a boa é que contabilizamos as notas e não tem mais como o segundo colocado alcançar a Fran, então ela vai ser a campeã”.
Isso, na verdade, eu já sabia. Tinha essa certeza desde a seletiva, quando a luz caiu bem na hora do pitch da Fran na repescagem, tivemos que usar a internet do vizinho para reconectar e, em 30 segundos, a Fran teve o microfone mutado no meio da sua fala e mesmo assim conseguir se classificar.
Soube de novo quando, na escolha da mentora, ela foi a penúltima a ser sorteada e mesmo assim ficou com a mentora que queria.
Mais uma vez, confirmei minha convicção na primeira eliminatória, quando o texto da Fran ficou em primeiro lugar, recebendo elogios rasgados do Anderson e da Cinthia. “O texto da Fran é uma covardia”, foi o que disseram, e ali eu soube. Ela ia ser a campeã.
Agora, eu tenho uma missão. Preciso fazer com que o momento da premiação seja inesquecível. O Anderson bolou um plano, quer que a premiação tenha toques de mágica. Eu sou a pessoa certa para fazer isso acontecer.
Recebo a tarefa de comprar flores, e também um presente que simbolize a Lua, que é o tema do livro da Fran. E preciso fazer isso sem que ela saiba o que estou fazendo. Como esconder uma orquídea de quase um metro e um buquê de rosas aqui em casa, ainda mais hoje, que estamos recebendo visita e meu quarto está ocupado?
Com a desculpa de que “vou em um encontro com meu artista interior”, pego o carro de manhã e vou até o centro de Floripa. Preciso encontrar um presente que tenha a ver com a Lua, mas não tenho pista nenhuma. Decido ir ao shopping, lá deve ter alguma coisa. Entro naquele prédio cheio de lojas e vou direto até a placa que tem a lista com todas as lojas. Entre as dezenas de nomes aleatórios, encontro um padrão: joalherias. Claro! Deve existir alguma joia em formato de Lua.
Começo minha peregrinação pelas cerca de dez joalherias do shopping Beira-Mar, até encontrar… nada.
Não vejo absolutamente nada que lembre a Lua e seja bonito, delicado. Só joias pretensiosas, infantis, inadequadas. Não, a Fran não vai gostar de nada disso. Decepcionado, vou embora. No caminho para o carro, procuro na internet por floriculturas. Preciso de um tipo específico de rosas, as colombianas.
Encontro uma floricultura perto que tem, vou até lá. O dia está nublado, estaciono o carro a uma quadra de distância. A loja de vidro com suas flores coloridas fica no centro de uma praça ocupada por passantes e alguns moradores de rua. Entro e escolho o buquê de rosas e também a maior orquídea disponível. “Pega a maior de todas, no vaso mais bonito”, me pediu o Anderson. Decido também levar um girassol, que a Fran adora.
Flores escolhidas, sinto meu peito aliviar. Respiro fundo e escuto o barulho ensurdecedor de um temporal que cai sem aviso. A chuva é tão forte que começa a gotejar dentro da floricultura, e a visão fica limitada a alguns metros.
Estou sem guarda-chuva, e a moça da loja me empresta o dela. É preto, haste longa, com um canto da parte de cima quebrado, que fica pendendo mole contra a água. Ando uma quadra e chego encharcado no carro. Consegui levar só o buquê de rosas, então vou com o carro até o lugar mais perto possível da entrada da loja. A moça vem correndo, com uma toalha de rosto cobrindo a cabeça e carregando a orquídea gigante e o girassol. O vaso da orquídea é tão grande que tento colocar o cinto de segurança nele, mas não dá certo. Dirijo com as suas 17 flores de orquídeas balançando do meu lado, como se estivesse em um show de rock.
Chegando em casa, ligo para a Rê, minha amiga que está hospedada no meu quarto, e peço para ela me emprestar seu carro como esconderijo para as flores. Ela concorda, deixa a chave no muro de casa e fica conversando com a Fran, para ter certeza que ela não vai ver nada.
Faço a transição das flores nos carros, entro em casa para uma reunião de trabalho, e logo depois já saio de novo. São 15h, e preciso encontrar o presente da Lua. No caminho, recebo uma mensagem do Anderson, com um texto que é para ser impresso em um cartão, parabenizando a Fran pela vitória.
Sei que perto desse outro shopping que vou agora, tem uma gráfica. Vou lá e folheio as amostras de papel para impressão, até que vejo um papel tão chamativo que dou uma risada.
Eu jamais usaria esse papel, a não ser agora. Ele é tão brilhante que lembra o cartão dourado do Willy Wonka, do filme A Fantástica Fábrica de Chocolate. Escolho uma fonte legal, cometo um erro na impressão e peço para o atendente cortar o papel em uma tamanho menor. Pronto, agora ficou perfeito! Parece aqueles cartões que os apresentadores de TV seguram.
Vou em seguida para o shopping, é tudo ou nada. Faltam poucas horas para o reality, e preciso encontrar esse presente de Lua. Entro em loja de coisas para casa, loja de presentes, entro até em uma loja de brinquedos para crianças, mas não encontro o que busco. Decido dar mais uma chance para as joalherias. Vou em mais umas cinco. Pingentes, brincos, colares, anéis… isso, anel! Encontro um anel simples, prateado como a Lua, com uma Lua nova enfeitando o aro. É isso! O tamanho da Fran não tem (tive que fingir que queria pedir ela em casamento para saber o tamanho do dedo dela), mas tudo bem, isso depois a gente ajusta.
A vendedora embala o anel para mim, mas eu peço para ela parar. Ela estava colocando o anel em uma caixa laranja, deselegante, que abre de um jeito estranho. “Não moça, precisa ser uma caixa muito bonita, daquelas que abre tipo concha de ostra”, eu digo. Ela me olha e diz: “Mas eu não tenho essa caixa moço”.
O quê? Não acredito que ela pensa que eu vou cair nessa… “Moça, eu posso comprar a caixa, qual é a mais bonita que você tem? É uma situação muito especial, minha namorada ganhou um reality show, e esse é o prêmio dela!”
A moça pede ajuda para outra vendedora, e elas encontram uma caixa preta, daquelas de pedido de casamento. Linda, discreta, funcional. Perfeita.
Coloco o anel dentro da caixa e vou para casa. Chego em tempo de comer e tomar um banho. A Fran está nervosa. Eu também, mas não por ela. Estou nervoso porque preciso, durante o reality, sair da casa, pegar as flores no carro e colocar em uma mesa na frente da porta de entrada da casa, tudo isso sem que a Fran veja ou que os cachorros destruam as flores.
O encontro final do reality começa com uma linda apresentação de violino da Anna Murakawa, e depois tem também uma palestra do escritor Caio Carneiro. A Fran tá cada vez mais nervosa, e eu também. Fico andando de um lado para o outro, comendo batatas assadas que deixei prontas em cima do balcão da cozinha, tentando entender qual é o momento certo para fazer a arrumação.
Quando não aguento mais esperar, vou discretamente até a porta da frente e a chaveio. Depois, finjo estar ficando muito nervoso e saio da casa pela porta lateral. Os cachorros estão dentro de casa. Abro o portão eletrônico e vou até o carro. Verifico que a Fran não está vendo (deixei também as janelas da frente da casa com as cortinas fechadas) e pego as flores. A mesinha eu tinha deixado em um lugar estratégico, bem perto da porta da frente da casa. Coloco as flores em cima da mesa, junto com o cartão e o anel de Lua, fechado na caixinha.
Volto para dentro de casa, e espero o momento combinado. A Fran está transmitindo a final pelas redes sociais dela, então uso isso também como motivo para ela não sair de casa. Eventualmente pego o celular e paro de filmar a tela do computador, onde está passando o reality, e filmo a Fran. Faço alguma pergunta para ela, qualquer coisa que a distraia.
Até que começam a dar as notas finais. As avaliações de textos das últimas duas semanas não foram divulgadas, para deixar esse momento mais tenso. Antes disso, a Fran estava 1,3 pontos na frente do segundo colocado, o Flávio. Era uma diferença pequena, que, se a Fran cometesse um deslize no texto, poderia ser superada.
Só que o trabalho da Fran é nota 10, e não sou só eu que digo isso, mas todas as pessoas do júri! O Anderson anuncia do último colocado até o quarto, e pede para os três primeiros entrarem ao vivo na tela. Ainda não foi revelada a pessoa campeã.
Com Fran, Flávio e Jorge na tela, o Anderson anuncia. “O ganhador, que é um de vocês três, tem uma surpresa na casa de vocês. A gente mandou uma entrega, e esse entregador vai chegar exatamente daqui a três segundos. 3, 2, 1, já!”
DING, DONG.
Nossa casa vibra com o barulho da campainha. O detalhe é que nossa casa não tem campainha, e a Fran fica atônita. “Como assim, de onde vem esse som?”, diz ela.
Na minha lista de compras, além de flores, anel e bilhete premiado, também comprei uma campainha portátil. Coloquei o alto-falante escondido em cima da porta, e guardei o botão que ativa a campainha no meu bolso.
A Fran não entendeu a origem do barulho, mas compreendeu que tinha que ir até a porta da frente e abrir.
“Ai meu Deus, que coisa linda!”, ela diz quando vê o altar montado na nossa varanda. Com as mãos tremendo, pega o cartão dourado e lê em voz alta. “Fran Bitten, parabéns, você é a vencedora do The Book! Desejo que seu texto ilumine as pessoas assim como a Lua cheia ilumina todo nosso planeta. Um beijo, Anderson Cavalcante.”
“Fran, você é a ganhadora do The Book, parabéns!”, anuncia o Anderson. “Um passarinho contou para a gente que se você ganhasse, vocês iam comemorar andando de jet ski esse final de semana. Vocês vão andar, mas faz parte do prêmio!”, ele completa. A Fran cobre o rosto com as mãos, e eu comemoro com um “Uhul!”.
“É um dos dias mais felizes da minha vida”, ela diz.
Da minha também.
Um abraço campeão,
Juliano Poeta